Era um
garoto quieto, todos o conheciam, mas ninguém se aproximava muito dele, ele
permanecia recluso em cantos sempre afastados. Debaixo do braço carregava
sempre um pequeno livro, completamente surrado e velho. Quando ele não estava
observando o movimento das pessoas, estava a olhar aquele livro, sem nem ao
menos virar as páginas e sempre sorria ao que via.
As
pessoas oscilavam entre a curiosidade por aquele livro e um certo medo, talvez
o garoto fosse louco e assim, perigoso. As outras crianças o achavam estranho e
não se aproximavam. Ainda assim, o garoto parecia calmo consigo mesmo, feliz
consigo mesmo e sempre que algo o perturbava, ele abria aquele livro e voltava
a sorrir.
Certo
dia, como qualquer outro, um acidente tomou o local. Um carro desgovernado em
alta velocidade acertou o pequeno garoto. Que faleceu pouco tempo depois.
Tentaram socorrê-lo, em vão. Um velinho que passava por ali esbarrou no antigo
livro do garoto. Abriu-o e não pode deixar de chorar.
Naquela
página havia apenas um espelho, sujo, borrado, que mal refletia a própria imagem.
O velho chorou ao se ver ali. Chorou por ter se esquecido da pessoa mais
importante na vida dele, ele próprio. Por a tanto tempo, como todos os outros
que tentavam observar aquele livro, curiosos, deixaram-se levar sem nem ao
menos olharem para si e por um momento, todos eles pareciam iguais aos olhos do
velho senhor, que voltou a olhar para o espelho e sorriu. Assim como o garoto,
que se lembrava dele mesmo todos os dias, que sorria ao ver que ele ainda era
ele mesmo e ao mesmo tempo, segurava-se na única coisa concreta que possuía:
Ele próprio. Não era loucura, não era besteira. É simplesmente um ato que todos
nós esquecemos e pouco a pouco, abandonamos a nós mesmos para nos tornarmos
todos iguais. A singularidade superada por uma vontade de inclusão tão grande,
que perdemos o sorriso. O louco tão isolado, que esquecemos que somos também,
todos, loucos...