quarta-feira, 23 de maio de 2012

O menino e seu livro





                Era um garoto quieto, todos o conheciam, mas ninguém se aproximava muito dele, ele permanecia recluso em cantos sempre afastados. Debaixo do braço carregava sempre um pequeno livro, completamente surrado e velho. Quando ele não estava observando o movimento das pessoas, estava a olhar aquele livro, sem nem ao menos virar as páginas e sempre sorria ao que via.
                As pessoas oscilavam entre a curiosidade por aquele livro e um certo medo, talvez o garoto fosse louco e assim, perigoso. As outras crianças o achavam estranho e não se aproximavam. Ainda assim, o garoto parecia calmo consigo mesmo, feliz consigo mesmo e sempre que algo o perturbava, ele abria aquele livro e voltava a sorrir.
                Certo dia, como qualquer outro, um acidente tomou o local. Um carro desgovernado em alta velocidade acertou o pequeno garoto. Que faleceu pouco tempo depois. Tentaram socorrê-lo, em vão. Um velinho que passava por ali esbarrou no antigo livro do garoto. Abriu-o e não pode deixar de chorar.
                Naquela página havia apenas um espelho, sujo, borrado, que mal refletia a própria imagem. O velho chorou ao se ver ali. Chorou por ter se esquecido da pessoa mais importante na vida dele, ele próprio. Por a tanto tempo, como todos os outros que tentavam observar aquele livro, curiosos, deixaram-se levar sem nem ao menos olharem para si e por um momento, todos eles pareciam iguais aos olhos do velho senhor, que voltou a olhar para o espelho e sorriu. Assim como o garoto, que se lembrava dele mesmo todos os dias, que sorria ao ver que ele ainda era ele mesmo e ao mesmo tempo, segurava-se na única coisa concreta que possuía: Ele próprio. Não era loucura, não era besteira. É simplesmente um ato que todos nós esquecemos e pouco a pouco, abandonamos a nós mesmos para nos tornarmos todos iguais. A singularidade superada por uma vontade de inclusão tão grande, que perdemos o sorriso. O louco tão isolado, que esquecemos que somos também, todos, loucos...

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